A nova nota do projeto Transforma Economia, intitulada “Conflito distributivo e o terceiro governo Lula: condicionantes para retomada do crescimento do salário real no Brasil”, assinada por Lilian Nogueira Rolim, professora do Instituto de Economia da Unicamp, examina os desafios e condicionantes para recuperar o poder de compra dos trabalhadores no Brasil. Após um período de crescimento contínuo do salário real entre 2005 e 2013, o país enfrentou uma retração nos salários entre 2014 e 2021, fruto de mudanças macroeconômicas e políticas que reduziram a capacidade de barganha dos trabalhadores e ampliaram as pressões inflacionárias.
Entre 2005 e 2013, o Brasil experimentou uma combinação de fatores favoráveis que resultaram no aumento do salário real. O crescimento da parcela salarial, a elevação da produtividade do trabalho e uma dinâmica favorável dos preços relativos contribuíram para melhorar as condições de vida dos trabalhadores. No entanto, a partir de 2014, uma série de mudanças, como o aumento da inflação, a queda na produtividade e a adoção de políticas de austeridade, reverteram esses ganhos. O aumento da inflação e a diminuição da margem de lucro das empresas acirraram o conflito distributivo, minando o espaço para políticas redistributivas e comprometendo a capacidade de o governo garantir uma distribuição mais equitativa dos ganhos econômicos.
A nota destaca que a retomada do crescimento do salário real no Brasil depende de uma combinação de políticas redistributivas e de estímulo à economia. Um dos principais desafios para o governo é recriar as condições que permitiram o aumento da parcela salarial nos anos anteriores. Entre 2004 e 2013, políticas de valorização do salário mínimo, o aumento da formalização dos trabalhadores e o fortalecimento de sindicatos ampliaram o poder de barganha da classe trabalhadora. No entanto, após 2015, a desaceleração econômica e as políticas de austeridade enfraqueceram essa dinâmica. A redução da parcela salarial no setor industrial, por exemplo, foi um dos principais fatores responsáveis pela queda do salário real no período recente.
Outro fator discutido na nota é a influência dos preços relativos, que refletem a relação entre os preços de produção e os preços ao consumidor. Durante o período de crescimento, a dinâmica dos preços externos, favorecida pela apreciação da moeda e pelo boom das commodities, ajudou a mitigar o impacto inflacionário, permitindo que os salários reais aumentassem sem pressão significativa sobre os lucros das empresas. No entanto, a partir de 2014, com a desvalorização da moeda e o aumento da inflação, esse mecanismo perdeu força, e o setor externo deixou de ser um amortecedor do conflito distributivo.
A nota também aborda a importância do aumento da produtividade para a retomada do crescimento salarial. O aumento da produtividade permite que os salários nominais cresçam sem gerar pressões inflacionárias, pois o crescimento da produção compensa os aumentos salariais. Entre 2006 e 2013, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu, especialmente no setor agrícola, o que contribuiu para o aumento do salário real. No entanto, desde 2014, a produtividade tem se mantido estagnada, acirrando o conflito distributivo e dificultando o crescimento dos salários sem impactar a lucratividade das empresas.
No setor de serviços, por exemplo, o aumento dos salários nominais foi repassado diretamente aos preços, o que contribuiu para a alta inflacionária no período recente. Já na indústria, a queda na produtividade e o aumento dos custos com insumos importados comprometeram a capacidade de o setor absorver os aumentos salariais sem impacto sobre os lucros. Portanto, a recuperação da produtividade, especialmente na indústria, é essencial para que o governo possa promover políticas de valorização do salário real sem comprometer o controle da inflação.
A retomada do crescimento do salário real no terceiro governo Lula, segundo a análise de Lilian Nogueira Rolim, dependerá da capacidade do governo de conciliar uma agenda redistributiva com políticas que promovam o aumento da produtividade. Para isso, será necessário combinar políticas redistributivas, como a valorização do salário mínimo, com estímulos à inovação e à industrialização, criando condições para que o crescimento econômico seja acompanhado por aumentos salariais sustentáveis.
A nota conclui que o sucesso dessa agenda exige a manutenção de elevados níveis de atividade econômica, o controle da inflação e o fortalecimento das políticas redistributivas, criando um ambiente favorável para a retomada do poder de compra dos trabalhadores e para a redução das desigualdades no Brasil.