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A macroeconomia dos alimentos

Por Clara Saliba*

Em 27 de janeiro de 2025, a rejeição do presidente Lula, eleito em 2022, ultrapassou a aprovação pela primeira vez no mandato. Entre os grandes fatores apontados para a queda na popularidade do presidente está a inflação dos alimentos, que, em 2024, foi motivo de preocupação. Em que pese a tendência global de elevação nos preços dos alimentos há pelo menos 15 anos, a alta de itens centrais da cesta básica foi realmente alarmante aos bolsos brasileiros. Enquanto o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, medido mensalmente pelo IBGE) atingiu o acumulado de 4,3% no fim do ano passado, o IPAB (Índice de Preços de Alimentos e Bebidas) bateu 7,7% no mesmo período, sendo apontado como um dos principais responsáveis pela inflação percebida em 2024.

Os maiores vilões foram todos componentes da alimentação básica dos brasileiros: as carnes, com 20,8% de aumento; os óleos e gorduras (principalmente óleo de soja e azeite), com 18,7%; e as bebidas e infusões, com 14,2% – grupo em que se encontra o café, este sozinho com 39,6%. Para além de a inflação de alimentos ser mais impactante para as populações mais pobres, que gastam percentual maior de sua renda com comida, a alta concentrada em produtos da cesta básica agrava ainda mais o quadro. Justamente por serem alimentos populares e culturalmente inseridos na dieta das famílias brasileiras, seu aumento é logo percebido, e a manutenção dos preços em patamares elevados por períodos prolongados pode resultar em piora na segurança alimentar e nutricional dos domicílios.

As explicações da economia ortodoxa pouco auxiliam a compreender a alta dos alimentos: essa inflação está longe de uma inflação de demanda. Ou seja, não é a elevação repentina da demanda por alimentos, frente a um “superaquecimento repentino” da economia, que faz com que os preços subam. Até porque alimentos da cesta básica dificilmente experienciam flutuações tão agressivas de demanda. A alta expressiva do dólar parece estar muito mais conectada com o problema. Não é novidade que o setor agropecuário brasileiro é um grande exportador de commodities agrícolas. A alta no dólar, nesse sentido, exerce uma pressão nos preços domésticos, pois incentiva a exportação. Somada à tendência já mencionada de elevação no preço internacional dos alimentos, cria a tempestade perfeita. O café, novamente, atingiu sua marca histórica na cotação internacional desde 1997 em 27/01/2025.

É importante entender as causas da carestia para pensar suas soluções. A alta dos juros, defendida como o remédio para estancar a inflação, não resolverá o problema senão pelo possível impacto indireto no câmbio – e há soluções melhores e menos custosas, especialmente considerando os prejuízos da alta da Selic nas mesmas populações que já têm seu poder de compra diminuído frente à inflação. A volta dos estoques de alimentos via CONAB é uma estratégia essencial. Assim como o investimento em formas alternativas de produção pensadas em contextos locais, na agricultura familiar e/ou cooperativista e na agroecologia (conceitos que por vezes andam juntos, mas não são sinônimos).

Se a política internacional seguir os rumos propostos por Trump, as oscilações no valor do dólar seguirão, potenciais conflitos desorganizarão ainda mais as cadeias globais de alimentos e os extremos climáticos trarão novas disrupções produtivas. O momento é de crise política, mas, ao mesmo tempo, revela uma janela de oportunidade para fortalecer a resiliência das cadeias alimentares brasileiras e preparar o país, que tem sua segurança alimentar e nutricional muito atrelada à agroexportação, para movimentos internacionais complexos e que, aparentemente, se tornarão mais frequentes.

* – Mestranda em economia e coordenadora executiva do Transforma/Unicamp

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