Por Marco Antonio Rocha*
Tem me causado certa preocupação as declarações recentes, por parte de analistas e algumas entidades de classe, que difundem a percepção de que a “guerra tarifária” iniciada pelo governo Trump pode representar oportunidades para a indústria brasileira. Nessa percepção, o fato de o Brasil não estar entre os principais alvos de retaliação por parte do governo Trump, permitiria que a indústria brasileira ocupasse espaço nos mercados dos Estados Unidos frente a concorrentes que seriam mais duramente atingidos pelo aumento das tarifas. Dessa forma, a rearrumação do comércio internacional via mudança dos preços relativos possibilitaria o aumento da competitividade brasileira e a ocupação de mercados nos Estados Unidos. Há pelo menos três dimensões que podem gerar efeitos diversos sobre a competitividade internacional da indústria brasileira em relação à nova prática de política comercial dos Estados Unidos que valem ser apontados.
O primeiro, de ordem mais geral, diz respeito ao impacto que aumentos reativos das tarifas entre os Estados Unidos e seus parceiros comerciais pode ter, em um padrão de produção caracterizado por montagem sequencial, modular e internacionalizada, tal como nas cadeias produtivas globais. O padrão atual de produção da indústria de montagem cria situações em que um bem montado na China pode ter recebido peças oriundas dos Estados Unidos, que, por sua vez, foram feitas com a utilização de insumos chineses. Logo, o aumento recíproco de tarifas pode ter efeitos cumulativos significativos nos custos de produção. Nesse sentido, o retorno de práticas protecionistas generalizadas pode ter efeitos nos custos dos insumos e kits de montagem para a indústria de transformação que são difíceis de prever a priori e com impacto na competitividade de cada indústria nacional que dependerá, entre outras coisas, do tamanho do coeficiente de importação dos setores exportadores.
A segunda questão relativa à reorganização da competitividade no comércio bilateral com os Estados Unidos será como as diversas economias atingidas pelo aumento das tarifas irão reagir, em especial o grupo de países em desenvolvimento que disputam esses mercados com o Brasil. Países com maior produtividade industrial tendem a ter maior capacidade de redução de preços e reação à queda de seus market shares que aqueles com menor produtividade, ao menos no curto prazo. Para além desse fato, a capacidade de reação dependerá igualmente da mobilização dos instrumentos de política comercial e, nesse sentido, contará o volume de subsídios que poderão ser mobilizados por cada economia, compensando com a redução de outros custos a perda de competitividade nos mercados dos Estados Unidos pelo aumento das tarifas.
No caso específico da reação chinesa, a utilização de alguns instrumentos “extra-mercado” – em conjunto com a mobilização de subsídios cruzados, crédito direcionado e outros instrumentos de política comercial em grande escala, pode gerar inclusive o efeito reverso do esperado em relação à competitividade brasileira. No caso da aplicação de aumento de tarifas de forma homogênea em determinado setor – como no caso do aço – a China pode inclusive ampliar sua presença no mercado dos Estados Unidos, ocupando o espaço de concorrentes com menor capacidade de reação às novas tarifas.
Por fim, o aumento das tarifas pelo governo Trump pode levar as economias afetadas a elevar as tarifas de proteção aos seus próprios mercados, como forma de compensação às indústrias locais que perderam espaço nos mercados dos Estados Unidos. O aumento das tarifas bilaterais entre Estados Unidos e seus parceiros comerciais pode levar à maior disseminação de práticas protecionistas, em uma corrida para proteger os mercados domésticos, restringindo o acesso das exportações brasileiras em mercados que não o dos Estados Unidos. O aumento das tarifas em um mercado do porte dos Estados Unidos pode gerar reações que vão para além do comércio bilateral entre o país da América do Norte e seus principais parceiros, reduzindo o fluxo global de comércio e tornando mais difícil o acesso a terceiros mercados.
De fato, oportunidades existem, mas elas dependerão sobretudo da capacidade de a combalida indústria brasileira se preparar e dos instrumentos de fomento que poderão ser mobilizados para o acirramento da disputa comercial. Ainda que em um primeiro momento a disputa entre Estados Unidos e seus principais parceiros comerciais possa abrir espaço para os bens e serviços brasileiros, a tendência que pode se impor é de maior fechamento dos mercados e aumento da utilização de instrumentos de política comercial, em um cenário em que o que sobrou do multilateralismo tem pouca capacidade para arbitrar as disputas comerciais.
*Diretor do Transforma