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Política industrial verde e mudança estrutural para a transição ecológica no Brasil

 

A emergência climática e a aceleração das transições produtivas globais recolocaram a política industrial no centro do debate econômico. Mas, em um país marcado por desindustrialização precoce, dependência de commodities e vulnerabilidade climática, o desafio da transição ecológica exige mais do que novos instrumentos: requer uma transformação estrutural profunda. É esse o ponto de partida da Nota Técnica 18 – “Política Industrial Verde e Mudança Estrutural para a Transição Ecológica no Brasil”, de Mariana Reis Maria, Marco Antonio Rocha, Iago Montalvão e Diógenes Moura Breda, publicada pelo Projeto Transforma – Instituto de Economia da Unicamp, com apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES).

O documento analisa o papel da Política Industrial Verde (PIV) como instrumento de coordenação estatal diante do chamado desafio dual do século XXI: descarbonizar a economia sem interromper o desenvolvimento com justiça social. A proposta parte da crítica à visão tradicional de “falhas de mercado” e propõe uma abordagem centrada nas falhas sistêmicas — barreiras tecnológicas, institucionais e financeiras que bloqueiam a transição. Ao identificar essas travas, a PIV se apresenta como uma estratégia de planejamento de longo prazo, capaz de articular inovação, emprego e sustentabilidade.

O texto destaca que os mecanismos de precificação de carbono, embora importantes, são insuficientes para enfrentar a magnitude da crise climática. A transformação ecológica demanda ação pública coordenada, combinando incentivos, regulação e investimento direto. Essa abordagem reposiciona o Estado como planejador estratégico, apto a conduzir missões de desenvolvimento em torno de metas climáticas e produtivas integradas. A política industrial, portanto, não se limita a corrigir distorções, mas a moldar novas trajetórias tecnológicas e institucionais.

A experiência internacional analisada pelos autores revela quatro dimensões-chave para uma política industrial verde eficaz:


1️⃣ Fronteiras planetárias, que definem os limites ecológicos a partir dos quais a atividade econômica deve operar;
2️⃣ Tempo e escala, que impõem urgência e amplitude à difusão de tecnologias limpas;
3️⃣ Financiamento, voltado à redução da lacuna global de investimentos climáticos;
4️⃣ Cooperação internacional, indispensável para enfrentar a crise em uma lógica de solidariedade e redistribuição entre Norte e Sul.

Essas dimensões são interdependentes e indicam que a política industrial verde deve ir além do incentivo tecnológico: ela precisa estruturar um novo regime de produção, redistribuição e governança global. Nesse sentido, o Brasil surge como um caso paradigmático — com potencial para liderar uma estratégia de desenvolvimento verde, mas também vulnerável à armadilha da reprimarização verde, em que a transição ecológica reproduz padrões históricos de dependência.

Desde 2023, o governo federal recolocou a política industrial no centro de sua estratégia de desenvolvimento com programas como o Nova Indústria Brasil (NIB), o Plano de Transformação Ecológica (PTE), o Plano Clima e o Novo PAC, todos com dimensões ambientais explícitas. Juntos, eles sinalizam um esforço de reindustrialização orientado à sustentabilidade. Contudo, a nota observa que falta coordenação entre as iniciativas, o que enfraquece a capacidade de articulação sistêmica. Além disso, as restrições fiscais do Novo Arcabouço Fiscal e a ausência das estatais como agentes estratégicos limitam o protagonismo público e a execução de projetos estruturantes.

O estudo identifica ainda uma tensão entre mitigação e adaptação nas políticas nacionais. Enquanto as metas de redução de emissões recebem prioridade, os investimentos em infraestrutura de adaptação e resiliência climática — cruciais para as regiões mais vulneráveis — permanecem marginais. Essa assimetria ameaça comprometer a efetividade de longo prazo das políticas verdes e revela uma lacuna na integração entre a agenda ambiental e a social.

Outro ponto central é a crítica ao risco de um novo neoextrativismo. A corrida global por minerais críticos e energia limpa pode transformar o Brasil e outros países do Sul Global em fornecedores de recursos naturais para o Norte, perpetuando a subordinação produtiva. Essa “atualização verde da dependência”, como definem os autores, repete a lógica da exportação de matérias-primas sob a justificativa da descarbonização. Para evitá-la, o país precisa investir em nacionalização tecnológica, cadeias industriais verdes e fortalecimento das capacidades produtivas locais, com atenção especial à justiça territorial e ao envolvimento de comunidades afetadas.A nota propõe repensar o papel do Estado como articulador de missões de longo prazo — capazes de integrar política industrial, transição energética, inovação e proteção social — e defende que o Brasil adote uma estratégia de desenvolvimento verde e soberano, fundada em autonomia tecnológica, redistribuição de renda e fortalecimento das empresas públicas. Nesse sentido, a transição ecológica não pode ser apenas ambiental: precisa ser industrial, social e política.

 

 

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