O novo relatório “O G20 em uma encruzilhada: uma avaliação independente do impacto do G20 e lições para um futuro econômico equitativo” apresenta uma avaliação independente do papel do grupo na governança econômica internacional e analisa como suas decisões, prioridades e contradições moldam os rumos da economia global. O documento, produzido em parceria pelo Projeto Transforma e organizações internacionais, reúne contribuições de Fernanda Balata, Sarah Anderson, Iago Montalvão Campos, Bruno de Conti, Reyanna James, Marianna Leite, Shikwane Warren Makoga, María Emilia Mamberti, Tatenda Mzezewa, Marco Antonio Rocha e Clara Saliba.
A análise parte de um balanço da evolução do G20 desde sua elevação a fórum de líderes em 2008. Ao longo de crises financeiras e choques globais, o grupo mobilizou recursos expressivos, coordenou políticas anticíclicas e criou instrumentos de supervisão, como o Conselho de Estabilidade Financeira. Essa atuação consolidou o G20 como principal espaço de coordenação macroeconômica entre grandes economias. Porém, o relatório indica que essa capacidade se concentra na proteção da estabilidade financeira e não se traduz em respostas estruturais para desigualdades persistentes, desequilíbrios distributivos e vulnerabilidades que afetam economias de renda média e baixa.
O documento destaca que a legitimidade do G20 segue em disputa. Apesar de abrigar 85% do PIB mundial, 75% do comércio e dois terços da população global, o grupo incorpora apenas uma parcela dos países e opera sob assimetrias de poder que favorecem agendas do G7, com forte influência das instituições financeiras internacionais. Essa configuração restringe a pluralidade de diagnósticos e reduz a capacidade de o fórum responder a demandas do Sul Global em temas como dívida, transição climática, financiamento ao desenvolvimento e políticas de proteção social.
Essa tensão é evidenciada pelo contraste entre compromissos declarados e práticas adotadas pelos próprios membros. O relatório mostra que, em 2022, os países do G20 destinaram US$ 1,4 trilhão em apoio explícito a combustíveis fósseis; considerando subavaliações ambientais, o valor total de subsídios chegou a US$ 7 trilhões, equivalentes a 7,1% do PIB global. A distância entre discursos climáticos e incentivos efetivos levanta dúvidas sobre coerência e capacidade de liderança do grupo na transição energética internacional.

A avaliação do G20 é conduzida por duas lentes. A primeira observa seu desempenho à luz dos objetivos oficiais de “crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo”. A segunda utiliza uma estrutura de justiça econômica que analisa impactos distributivos, processuais, ambientais, restaurativos e de capacidade institucional. Em ambos os eixos, os resultados são considerados insuficientes diante da escala dos desafios contemporâneos.
Um dos pontos centrais do relatório é a influência recente das quatro presidências consecutivas do Sul Global – Indonésia (2022), Índia (2023), Brasil (2024) e África do Sul (2025). Esses países ampliaram o escopo das agendas do G20 ao inserir temas como recuperação pós-pandemia, infraestrutura pública digital, tributação de altos patrimônios, economia do cuidado e adaptação climática. Embora essas iniciativas tenham fortalecido a presença de perspectivas fora do G7, seu impacto segue limitado pelas regras de consenso e pela capacidade de tradução dos compromissos em políticas nacionais.
Um dos pontos centrais do relatório é a influência recente das quatro presidências consecutivas do Sul Global – Indonésia (2022), Índia (2023), Brasil (2024) e África do Sul (2025). Esses países ampliaram o escopo das agendas do G20 ao inserir temas como recuperação pós-pandemia, infraestrutura pública digital, tributação de altos patrimônios, economia do cuidado e adaptação climática. Embora essas iniciativas tenham fortalecido a presença de perspectivas fora do G7, seu impacto segue limitado pelas regras de consenso e pela capacidade de tradução dos compromissos em políticas nacionais.
O estudo também identifica um conjunto de dilemas que condicionará o futuro do grupo. Entre eles estão a redistribuição do poder global, tensões entre grandes economias, dificuldade em manter compromissos multilaterais diante da polarização política doméstica e a necessidade de redefinir o conceito de crise, incorporando riscos sociais e planetários que hoje permanecem secundários na agenda macroeconômica.
Outro elemento destacado é a crescente concentração de riqueza privada no sistema internacional. O relatório argumenta que o acúmulo extremo de capital – em um mundo a caminho de seu primeiro trilionário – permanece fora do centro das discussões do G20, apesar de influenciar diretamente desigualdades, espaço fiscal, financiamento do desenvolvimento e resiliência das políticas públicas.
Diante desses desafios, o documento propõe cinco princípios para orientar mudanças institucionais. O primeiro é integrar justiça e sustentabilidade às respostas a crises, adotando métricas que incluam endividamento, acesso a serviços essenciais, distribuição de renda e limites ambientais. O segundo é usar a capacidade de influência do G20 para redefinir normas e fortalecer articulações com organismos multilaterais. O terceiro recomenda ampliar a legitimidade de coalizões que promovem reformas estruturais, muitas vezes originadas fora do fórum. O quarto sugere mecanismos graduais de responsabilização, associados a instrumentos de participação de credores e arranjos de arbitragem regional. O quinto propõe ampliar o entendimento de estabilidade macroeconômica para incluir riscos sociais e ecológicos, que hoje eclipsam ameaças puramente financeiras.
O relatório conclui que o G20 continuará a desempenhar papel relevante na articulação de respostas rápidas a crises, mas seu impacto de longo prazo dependerá da capacidade de alinhar decisões a critérios universais de justiça, corresponsabilidade e transparência. A incorporação desses parâmetros pode redefinir o fórum, deslocando-o de uma função essencialmente defensiva – voltada a evitar colapsos – para um papel orientado à construção de bem-estar e resiliência em escala global.
