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O tarifaço e o Plano Brasil Soberano

Por Marco Antonio Rocha*

Depois de muito barulho, o tarifaço do governo Trump se mostrou muito menor do que o anunciado. Após a divulgação da lista de exceções, os bens que passam a ser onerados pela ampliação das tarifas representam um conjunto bem mais reduzido do que o esperado, sendo poucos aqueles que possuem participação significativa na economia brasileira. Segundo os cálculos do Ministério da Fazenda, os bens que continuaram na lista e passaram a pagar as novas tarifas respondem por cerca de 4% das exportações totais brasileiras, sendo que cerca de 2% já possuíam destino alternativo. 

Para além de um efeito macroeconômico pouco relevante, a longa lista de exceções divulgada pela Casa Branca tornou o problema brasileiro mais restrito setorialmente e geograficamente, facilitando a resposta do governo via o Plano Brasil Soberano (MP Nº1.309). As medidas lançadas contemplam aquilo que, de certa forma, era esperado, atuando em algumas dimensões econômicas e políticas importantes para mitigar os efeitos da nova política comercial dos EUA. O Plano conta, basicamente, com três eixos: auxílio às empresas exportadoras, proteção de empregos e diplomacia comercial.

No primeiro eixo, as medidas contemplam o fornecimento de liquidez para as Pequenas e Médias Empresas (PMEs), de curto e médio prazo, sobretudo através da utilização do Fundo Garantidor de Exportações, atuando no fornecimento de garantias, cobertura de riscos comerciais e ampliação do acesso ao crédito. Para as PMEs, o esforço também conta com a ampliação do Reintegra em até 6%, aumentando a restituição dos tributos pagos pelas empresas exportadoras. Soma-se a esse esforço, o aumento dos prazos de suspensão dos tributos para insumos e serviços importados utilizados em atividades exportadoras – o regime especial de drawback – e temos, grosso modo, o conjunto de instrumentos dedicados ao auxílio às empresas exportadoras. As medidas cobrem as dimensões esperadas, fornecimento de liquidez, ampliação das linhas de crédito, e redução dos custos relativos a tributos, cobrindo quase todas as dimensões operacionais das atividades exportadoras.

Para os setores produtores de bens perecíveis, buscou-se direcionar instrumentos para compensar a perda do mercado dos EUA com a demanda interna. Medida também já aguardada, dado que no caso de bens dessa natureza não haviam muitas alternativas. O Plano busca facilitar o processo de compras públicas, permitindo a dispensa de licitação e simplificando o processo de compra. Resta saber da real capacidade da estrutura de distribuição atreladas às políticas de compras públicas darem conta do aumento do fluxo de produtos.

Como parte auxiliar ao Plano, o Ministério do Trabalho e Emprego criou a Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego, como forma de acompanhar os efeitos do Tarifaço sobre as cadeias produtivas e fiscalizar as medidas de auxílio ao setor produtivo incluídas na MP, que possuem como contrapartida a manutenção dos empregos. A iniciativa já é bastante relevante por ampliar os instrumentos de avaliação da estrutura ocupacional no Brasil, mas também visa garantir as contrapartidas mais óbvias sobre os auxílios emergenciais ao setor produtivo.

Por fim, há iniciativas para além da Medida Provisória, como o anúncio do maior empenho da diplomacia comercial brasileira na diversificação dos mercados. No anúncio do Plano, o governo listou as negociações comerciais concluídas e aquelas em andamento, algumas com grande potencial e outras nem tanto. A questão é que a exigência de ampliação dos esforços da diplomacia comercial renova a discussão sobre a estratégia brasileira para acordos bilaterais. Há, nesse sentido, a necessidade de se alinhar os planos de reindustrialização, transformação ecológica e suas políticas transversais, à estratégia de acordos preferenciais de comércio, para que não sejam capturados pelo agronegócio e resultem na inviabilização da utilização de certos instrumentos de política industrial ou na dificuldade de seu direcionamento adequado.

A segunda questão importante é a estratégia em relação aos blocos que o Brasil já participa, a exemplo da utilização dos BRICS como fórum comercial, que deve seguir se ampliando. Essa tendência aponta para a possibilidade do aumento da hostilidade do governo dos EUA em relação ao bloco, cenário que a diplomacia brasileira deve estar preparada, sobretudo em relação ao nível de complexidade criado pela ampliação dos países membros dos BRICS. Há ainda, a importância de que o Brasil possa reforçar o processo de integração dentro do seu espaço regional. Utilizar de sua liderança regional e ampliar a de integração produtiva e comercial na América Latina torna-se parte de uma estratégia fundamental em um mundo em que a crise do multilateralismo parece apontar para o fortalecimento do regionalismo e para o reforço dos processos de divisão regional do trabalho no interior das cadeias produtivas.

* Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Diretor do Transforma

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