Por Mariana Reis Maria
No final de abril nos deixou o Papa Francisco, referência para muitos jovens economistas que realizaram sua formação nos últimos 12 anos em que o pontífice ocupou a liderança da igreja católica. Francisco foi luz e guia em períodos de escuridão política, social e religiosa. Com palavras de acolhimento, tornou a igreja um lugar de acolhimento e humildade, mas não somente promoveu uma “igreja em saída” como gostava de propor em seus diversos discursos, mas teceu críticas duras ao modelo econômico vigente que, em sua visão é um sistema que promove a cultura do descarte dos vulneráveis e do planeta.
Em 1 de maio de 2019, o Vaticano divulgou uma carta do Papa que dizia: “Aos jovens economistas, empresários e empresárias do mundo inteiro. Escrevo-vos a fim de vos convidar para uma iniciativa que desejei muito […] a estudar e pôr em prática uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta […] e que nos leve a estabelecer um ‘pacto’ para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia de amanhã”. É assim que começa a história do movimento Economia de Francisco (e de Clara, como gostamos de chamar aqui na América Latina). O Papa convidava os jovens economistas em formação para um encontro em Assis, marcado para março de 2020. A pandemia adiou esse encontro, mas o intuito de criar uma rede de economistas que se propunham a repensar a economia inspirados por São Francisco e Santa Clara de Assis estava estabelecido. Aceitamos o convite e fizemos um pacto com Francisco: iremos pensar uma economia que sirva aos pobres e vulneráveis, e guarde a Casa Comum, como Francisco gostava se referir ao planeta que compartilhamos.
Na Encíclica Laudato Si, publicada em 2015, Francisco cunhou o termo Ecologia Integral, termo que guia o movimento. Esse conceito parte do entendimento de que a crise ambiental que vivemos é parte da crise social e a sua solução exige o desenvolvimento de um modelo socioeconômico que entende que “tudo está interligado”. Nessa mesma Encíclica o pontífice afirma “a lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas para inverter a tendência ao aquecimento global é a mesma que não permite cumprir o objetivo de erradicar a pobreza”, afirmando que repensar o sistema econômica exige, em suas palavras, promover “um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao paradigma tecnocrático”. Na Encíclica Envagelii gaudium de 2013, o pontífice já afirmava que a desigualdade de distribuição de riqueza “provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira…”e na Encíclica Fratelli Tutti de 2020 complementa que “o mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se de um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja”.
O chamado de Francisco é para um novo pensamento econômico, e por seu convite, nos unimos em uma grande rede em que entendemos que “tudo está interligado”, não “só” porque fazemos parte da natureza, mas porque a resposta à crise ambiental não se separa à social e isso é fundamental para que não caiamos em ecologismos rasos. São crises interligadas, que nascem de um entendimento tecnocrático do papel da economia na sociedade, muito distante dos anseios da Terra e dos mais vulneráveis, mas não só, ainda mais crítico, um sistema que é extremamente predatório para o meio do qual depende, a Casa Comum.
Papa Francisco foi um sopro de esperança e lucidez em um mundo em crise. O “Papa do fim do mundo” trouxe da América Latina um novo pensamento não só religioso, mas político, social e econômico conectado com os anseios de seu tempo e do povo, aqueles que, para Francisco, são os verdadeiros guardiões da sua cultura própria e cujos interesses coincidem com o projeto histórico de justiça e de paz. Em um mundo carente de líderes conectados com os desafios de nossos tempos, Papa Francisco fará falta, mas seu legado ressoa sobre uma geração que teve o privilégio de conviver com seu pontificado. Deixo por último, uma frase de seu discurso ao movimento The Economy of Francesco no encontro que tivemos com o pontífice em setembro de 2022 na cidade de Assis na Itália:
“Uma sociedade e uma economia sem jovens são tristes, pessimistas e cínicas. Se quiser ver isso, vá às universidades ultra especializadas em economia liberal e olhe para os rostos dos jovens que estudam lá. Mas, graças a Deus, vocês estão presentes: não apenas amanhã, mas também hoje; vocês não são apenas o ‘ainda não’, mas também o ‘já’, vocês são o presente.”
Notas:
[1] Papa Francisco em carta ao evento “The Economy of Francesco”. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html
[2] Encícilica Laudato Si, 2017, n.106-114. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
[3] Encíclica Evangelii Gaudium, n.56. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html
[4] Encíclica Fratelli Tutii, n 168. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html
[5] Sobre as raízes teológicas, Teologia do Povo, de Francisco, consultar Scannone (2016) em La teología del pueblo y desde el Pueblo.
[6] Discurso ao movimento The Economy of Francesco, setembro de 2022. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2022/september/documents/20220924-visita-assisi.html
* Professora do Instituto de Economia da Unicamp e membra da The Economy of Francesco Foundation