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As tarifas “recíprocas” de Donald Trump

Por Pedro Rossi*

Na quinta-feira (02/04), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou um pacote de “tarifas recíprocas” com os parceiros comerciais do país. Os valores vão da tarifa mínima de 10% (aplicada a 126 países, incluindo o Brasil) até os 50%, aplicados a produtos importados de São Pedro e Miquelão e do Reino de Lesoto. Dentre os países com as maiores tarifas, se destacam os países do sul asiático, como Camboja (49%), Laos (48%), Vietnã (46%), Sri Lanka e Mianmar (44%) e Bangladesh (37%). Os países são conhecidos pela produção de bens manufaturados de consumo – como calçados, roupas e brinquedos – a custo muito competitivo. Para a China, as tarifas aplicadas serão de 34%.

O cálculo das tarifas seguiu uma fórmula que, conforme a Casa Branca, buscou refletir as tarifas aplicadas internamente a cada país para produtos importados dos EUA. Nas palavras de Trump, “vamos calcular a taxa combinada de todas as suas tarifas, barreiras não monetárias e outras formas de trapaça. […] Cobraremos deles aproximadamente metade do que eles têm cobrado de nós” (G1, 05/04/2025). Na divulgação oficial da fórmula, contudo, ficou claro que a base de cálculo foi, na realidade, o déficit comercial dos Estados Unidos com cada país: a diferença entre importações e exportações dos EUA com cada país foi dividida pelo produto das importações por dois coeficientes: sua elasticidade-preço e uma medida do repasse das tarifas ao preço de importação. Estes dois valores, por sua vez, tiveram valores de 4 e 0,25 fixados pelo governo americano, o que resulta no cancelamento dos termos e numa fórmula mais simples: o déficit comercial dos EUA (exportações – importações) com relação ao país-alvo dividido pelo total das importações.

Os valores altos de tarifas provocaram o medo de uma guerra comercial, especialmente entre os Estados Unidos e a China ou a União Europeia (com tarifas de 20%). Em meio à efusão das análises econômicas, é possível tirar cinco principais conclusões do movimento da Casa Branca. Em primeiro lugar, os impactos do anúncio de Trump podem ir muito além de uma guerra comercial. Países como a China poderiam responder com a desvalorização da própria moeda, neutralizando os efeitos das tarifas e provocando outras desvalorizações monetárias. Outros instrumentos indiretos também podem ser usados. Por exemplo, o Brasil aprovou uma lei que permite que o governo responda sem medidas comerciais, incluindo direitos de propriedade e royalties (G1, 02/04/2025).

Em segundo, há uma grande preocupação com o impacto indireto das tarifas sobre os países asiáticos, cujo preço das exportações para os Estados Unidos subirá drasticamente. Isso poderia levar à desindustrialização na América Latina, uma vez que redirecionaria as exportações asiáticas para mercados nos quais elas se manteriam competitivas. Setores específicos já estão pressionando os governos para que retaliem os EUA e aumentem as tarifas sobre outros países. Nesse sentido, e em terceiro lugar, as tarifas podem isolar os EUA e acelerar a integração regional na América Latina e em outras regiões.

A quarta conclusão, facilmente extraída da análise dos cálculos divulgados, é que as tarifas de Trump são unilaterais, não recíprocas, como o presidente havia anunciado. Baseadas no déficit comercial, e não no montante de tarifas imposto por outros países aos produtos americanos, seu objetivo está mais direcionado à redução das importações de produtos estrangeiros no mercado americano do que à equidade tarifária. É uma medida, assim, explicitamente protecionista, e que busca direcionar os investimentos produtivos aos EUA, colocando impasses à formação das longas cadeias globais de produção características da economia globalizada. Por isso, e em quinto lugar, se conclui que a globalização econômica está oficialmente enterrada pelo país que a promoveu no início da década de 1980.

*Fundador e conselheiro do Transforma

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