Por Bruno De Conti*
Desde 20 de janeiro, jornais de todo o mundo ocupam parte importante de seu espaço para cobrir o retorno de Trump à Casa Branca e suas primeiras semanas de governo. Ao mesmo tempo, analistas acadêmicos tentam entender sua vitória e debater prognósticos para o mundo. Toda essa mobilização se justifica. Afinal, se o contexto contemporâneo tem dado voz – e poder – mundo afora a inúmeros líderes excêntricos e perigosos, é preciso reconhecer que quando uma figura como essa assume o governo do país mais poderoso do planeta, as consequências são efetivamente maiores, para todo o globo. Mais ainda, quando o personagem em questão ocupa a cadeira de presidente pela segunda vez, e com um grau de irrazoabilidade exacerbado pelas disputas políticas e jurídicas travadas ao longo dos últimos anos.
Uma das maiores consequências para o mundo relaciona-se ao grande desafio que a humanidade hoje enfrenta e que, por definição, exige ações concentradas e em escala global. A crise ecológica exige transformações urgentes no modo de produção e se mesmo sem Trump as perspectivas de mudanças já eram desanimadoras, com sua política negacionista damos largos passos para trás. A urgência das medidas de enfrentamento da crise e a iminência de atingirmos alguns dos “pontos de não retorno” do aquecimento global tornam os quatro anos de Trump uma angustiante eternidade.
Outra grave consequência vem do imenso reforço que sua vitória traz à já forte onda de extrema-direita que assola o mundo. Com Milei ao sul e Trump ao norte, esse problema atinge o Brasil com particular intensidade, não restando dúvidas de que o bolsonarismo ganha força para as eleições do ano que vem. Os resultados do governo Trump para o bem-estar da população estadunidense são o que menos importa, pois as fake news tratarão de alimentar a imagem de que o Brasil precisa de um líder “forte”, “corajoso”, “nacionalista”. Os “Trumps tropicais” já existem aos montes e surfarão nessa nova onda.
Em relação aos arroubos de Trump e sua retórica afiada, é preciso, no entanto, cautela nas análises. Embora beneficie-se eleitoralmente de uma roupagem “anti-sistêmica” e voltada aos interesses “da América” (sic), se entendemos que a luta central é a luta de classes, parece pouco provável que Trump vá muito longe em aventuras que ao fim prejudicam os interesses econômicos da classe capitalista estadunidense. Das guerras tarifárias à política de expulsão de imigrantes, os próximos anos provavelmente mostrarão alguma distância entre os desvarios de seus discursos e tweets e a seriedade e durabilidade das políticas anunciadas. Dito de outra forma, uma profunda desglobalização e uma escassez de mão-de-obra imigrante não interessam ao business estadunidense. Isso não significa a ausência de turbulências – pelo contrário! –, mas sim a necessidade de dissiparmos a fumaça estrategicamente criada por esse modo de fazer política para entendermos as reais brigas a serem enfrentadas. Até mesmo, porque elas serão muitas.
É inquestionável, então, que desde 20 de janeiro de 2025, o mundo ficou mais triste. Que essa tristeza se transforme em força de reação.
- Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Projeto Transforma, Unicamp