A globalização, intensificada desde os anos 1970, trouxe consigo desafios complexos para a tributação internacional, especialmente no que diz respeito às multinacionais e aos indivíduos de alta renda. Essa é uma das principais discussões abordadas na Nota de Economia #11 do Projeto Transforma, intitulada “(Des)alinhamento entre OCDE e ONU na tributação internacional de corporações e super ricos”, escrita por Grazielle Custódio David. A capacidade desses atores de transferir lucros para paraísos fiscais e de ocultar ativos em jurisdições de baixa ou nula tributação gerou perdas significativas para países de economias periféricas e, progressivamente, também para economias centrais. Em resposta a esse cenário, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sob mandato do G20, lançou em 2013 o Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), com o objetivo de combater a elisão e evasão fiscal. No entanto, as limitações do projeto, como a falta de transparência e a exclusão de países em desenvolvimento do processo decisório, levaram a críticas e à busca por alternativas mais inclusivas, culminando na proposta de uma Convenção Tributária na Organização das Nações Unidas (ONU).
O Projeto BEPS, composto por 15 ações, buscou coordenar políticas fiscais para evitar a dupla tributação e a evasão fiscal. Entre as medidas propostas, destacam-se a implementação de regras de transparência fiscal, a eliminação de tratados que facilitavam o abuso fiscal e a criação de uma metodologia comum para definir onde as atividades econômicas devem ser tributadas. Apesar de representar um avanço, o BEPS enfrentou obstáculos significativos, como a complexidade de implementação e a resistência de governos e corporações. Além disso, o acesso limitado a relatórios país por país (CbCR) por parte de nações em desenvolvimento evidenciou as falhas do sistema.
Em 2021, a OCDE apresentou uma versão atualizada do BEPS, conhecida como BEPS 2.0, baseada em dois pilares. O primeiro pilar propõe a redistribuição do direito de tributação das multinacionais, enquanto o segundo estabelece um imposto mínimo global de 15% sobre os lucros empresariais. No entanto, críticos apontam que o primeiro pilar beneficia desproporcionalmente países de alta renda, enquanto o segundo pilar, com um limiar de 15%, é considerado insuficiente para combater efetivamente a evasão fiscal. A falta de inclusão de países do Sul Global no processo decisório também foi um ponto de discordância, com países como Nigéria e Quênia se recusando a assinar o acordo.
Diante dessas limitações, a ONU, liderada pela União Africana, propôs a criação de uma Convenção Tributária, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em novembro de 2024. A Convenção busca estabelecer um sistema tributário internacional mais democrático, transparente e justo, com participação igualitária de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Entre os principais desalinhamentos entre a OCDE e a ONU estão a inclusividade e a tomada de decisão justa. Enquanto a OCDE opera com um Marco Inclusivo de 137 países, a ONU conta com 193 membros, garantindo maior representatividade. Além disso, a Convenção da ONU visa reduzir desigualdades tanto dentro dos países quanto entre eles, assegurando que o direito de tributação beneficie os países-fonte, onde as atividades econômicas ocorrem, e não apenas os países-sede das multinacionais.
A Convenção Tributária da ONU também aborda o financiamento de desafios globais, como a fome, a pobreza, a crise climática e futuras pandemias, alinhando-se aos princípios internacionais de direitos humanos. Dois protocolos antecipados estão previstos: o primeiro trata da tributação da renda de serviços transfronteiriços, enquanto o segundo está em negociação, com propostas que variam entre a prevenção de fluxos financeiros ilícitos e a tributação de indivíduos de alta renda. O Brasil, por exemplo, defende a tributação dos super ricos, tema que ganhou destaque durante sua presidência do G20 em 2024.
Apesar dos avanços representados pela Convenção da ONU, resistências políticas persistem, especialmente por parte de países desenvolvidos que preferem manter as discussões no âmbito da OCDE. A tomada de decisão por consenso, defendida por alguns, é vista como uma forma de bloquear propostas mais inclusivas. No entanto, a Convenção da ONU representa uma oportunidade histórica para corrigir as falhas do sistema tributário internacional, garantindo maior equidade e justiça fiscal. A implementação de um sistema tributário global mais democrático e transparente é essencial para enfrentar os desafios globais e reduzir as desigualdades entre países.